quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A evolução do porta-malas (Parte I)

Desde sua criação, o automóvel vem passando por constantes aperfeiçoamentos. Novos materiais e processos de produção têm contribuído, década a década, ano após ano, para essa evolução. Porém, nem sempre nos damos conta de que outros fatores, tais como a melhoria da infra-estrutura viária e as mudanças culturais e comportamentais da sociedade, desempenham um papel igualmente importante no processo de transformação do produto automóvel. Os hábitos de cada período histórico costumam traduzir-se em necessidades que acabam por transformar os produtos ao longo do tempo. Alguns desses hábitos permanecem e aprofundam-se; Outros nem tanto, podendo até desaparecer por completo com o passar do tempo, deixando de integrar a lista de necessidades e exigências dos consumidores em geral. Um bom e recente exemplo é a progressiva abolição dos acendedores de cigarros nos automóveis - que de acessórios bem vindos na época em que fumar era um hábito que parecia conferir charme e elegância, tendo sido inclusive fartamente incentivado pela mídia - passou a ser encarado em tempos recentes como um problema de saúde pública, entrando para o rol dos comportamentos negativos e socialmente reprováveis. 

Em meio a esse processo evolutivo, as partes que compõe o produto automóvel foram contribuindo para as mudanças em seu aspecto geral. O porta-malas, por sua vez, não é exceção à regra, tendo sido influenciado em suas características de forma, utilidade, localização e construção, na mesma medida em que a sociedade foi se transformando e alterando seus requisitos de uso. Senão vejamos:

Nossa primeira consideração deve recair no fato de que, ainda nos seus primeiros dias, a maioria dos automóveis carecia de qualidades como confiabilidade e conforto, exigindo de seus proprietários ou motoristas certos dotes de mecânica para o enfrentamento – muitas vezes sozinhos - de algumas emergências no meio do caminho. Tais imprevistos ocorriam, não raro, distantes de qualquer ajuda especializada. Isso porque os carros rodavam por estradas pouco ou nada preparadas em termos de infra-estrutura de assistência técnica de emergência, abastecimento ou acesso a meios de comunicação, tornando qualquer viagem uma aventura em potencial e fazendo com que as pessoas evitassem, na maioria das vezes, percursos mais longos, destinados por isso mesmo a uns poucos audaciosos; Tal fato tornava a necessidade de acondicionamento de grandes quantidades de bagagem uma situação rara. De um modo geral então, os carros eram utilizados em percursos relativamente curtos, suficientes apenas para se fazer um bom piquenique entre familiares e/ou amigos na zona rural mais próxima, um hábito relativamente comum no início da história do automóvel. 

Acima quatro integrantes de um grupo de cinco felizes “piqueniqueiros” (o quinto está tirando a foto) e um Ford Modelo T de 1912. O piquenique era então um hábito popular.
Acima, algumas variações de cestas de vime para bagagens no início do século XX. Da esquerda para a direita, uma imagem de época seguida de um baú lateral traseiro de um Packard Modelo F de 1903, um Buick modelo 10 de 1908 (com baú posicionado no estribo); E dois exemplos de posicionamento do baú na parte traseira (um Lozier Tipo 1 de 1908 e um Pierce-Arrow Modelo 48 Touring de 1914).
Por volta dos anos 1910, alguns cupês ou runabouts já apresentavam uma espécie de ancestral do porta-malas moderno, enquanto que nos modelos maiores, do tipo touring ou sedans era comum a utilização de baús acomodados em racks afixados à carroceria, primeiramente aproveitando-se as plataformas de apoio proporcionadas pelos estribos, sendo que num segundo momento generalizou-se a fixação dos baús na parte traseira desses modelos.
Alguns dos primeiros modelos a incorporar uma espécie de porta-malas similar ao que conhecemos hoje, foram os cupês e runabouts. Nas duas primeiras imagens acima (da esquerda para a direita) vemos um Stutz Bearcat de 1923, ainda com seu baú separado da carroceria, porém devidamente encaixado em um rebaixo da mesma; Um Packard Cupê de 1917 com uma curiosa solução de acesso por meio de duas portinholas traseiras (terceira e quarta imagens), seguido de dois Runabouts 1918 e 1922, da mesma marca, já apresentando uma abertura semelhante a aquela dos porta-malas atuais.
Na imagem acima, alguns exemplos de fixação dos baús sobre os estribos. Todos os modelos mostrados, exceto o terceiro da esquerda para a direita (ao fundo), são da marca Packard, todos de 1925, exceto o último da direita, um modelo de 1916.
Acima, da esquerda para a direita, um Stutz de 1933 com seu rack recolhido. Na seqüência o detalhe do baú de couro de um raríssimo Tracta E de 1930, seguido de um Lincoln do mesmo ano. Um Auburn de 1932, já com um baú metálico e um Duesemberg de 1930, onde nota-se o contorno do plano de fundo do baú, feito especialmente para se acomodar com precisão à forma da parte traseira do modelo.
Acima, nota-se o início do processo de incorporação do baú ao conjunto da carroceria em quatro exemplos, da esquerda para a direita: Bentley 8-Litros Gurney Nutting Sportsman Cupê de 1931, Rolls-Royce Phantom II Continental Drophead Sedanca Cupê 1934 encarroçado pela Mulliner, Duesenberg Modelo J Victoria Cupê encarroçado pela Judkins em 1932 e o popular BMW-Dixi 3-15 de 1928.
Ainda na primeira metade dos anos 1930 o volume do porta-malas funde-se definitivamente à carroceria, passando a fazer parte integrante da mesma. Ainda assim era notável nesse período a volumetria da área ocupada pelo porta-malas em grande parte dos modelos. Acima, da esquerda para a direita, os exemplos da vista do alto de um Dodge 4-door sedan, seguido do Packard Touring Sedan de 1938, e detalhes da abertura do porta-malas de um Packard Touring Sedan de 1937. Por último, um Cadillac Série 60 Touring Sedan de 1936.

A história da evolução do porta-malas continua em um futuro post.


Créditos das imagens: Conceptcarz, Shorpy, Detroit Public Library, arquivo pessoal. Montagens fotográficas feitas exclusivamente para AutoTimeline.

Um comentário:

  1. Pergunto: Se os porta-malas fossem colocados na capota do carro, com desenhos aerodinâmicos, não teria sido melhor?
    Eu fiz um esboço do BMW-Dixi 3-15 de 1928 nessa configuração e gostei.
    Aplicando-se esse conceito, os carros poderiam ser menores e certamente mais práticos.

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