domingo, 8 de agosto de 2010

Reflexões sobre o futuro do automóvel

Antes de dar início à nossa viagem pela história do automóvel, gostaria de convidá-lo a fazer uma reflexão sobre o significado do papel desta invenção para a sociedade, desde sua criação até os dias atuais, e tentar extrair dessa reflexão um repertório mais consistente para uma análise realista a respeito do futuro dessa máquina de transporte, que desde sua criação se transformou numa espécie de objeto de desejo e um verdadeiro agente de transformação social, principalmente no início do século XX.

Linha de produção da Ford em 1924

Com o automóvel e os seus parentes próximos, como os ônibus e os caminhões, as distâncias ficaram menores e as viagens mais rápidas, possibilitando um notável incremento no fluxo de pessoas, mercadorias e informações, robustecendo a economia e gerando empregos diretos e indiretos, através de uma rica rede de fornecedores de componentes e serviços. Difícil seria, portanto, imaginarmos em qual nível estariam hoje - sem o automóvel - as indústrias dos setores químico, metal-mecânico, da borracha, do plástico, do vidro, de materiais elétricos e de inúmeros outros segmentos. O mesmo ocorre com o setor de serviços, que abarca desde os postos de combustíveis, borracharias, postos de escapamento, oficinas mecânicas, auto elétricos, financiadoras, seguradoras, concessionárias, etc. Na área da construção civil, o automóvel foi um grande agente mobilizador de mão-de-obra, impondo a criação de uma malha rodoviária em crescente expansão. Dessa forma, o intercâmbio de mercadorias entre as cidades e regiões ganhou em agilidade e redução de custos de transporte, auxiliando enormemente no crescimento econômico de diversos países. Do ponto de vista tecnológico, lembremos apenas do advento da linha de produção móvel que, implantada pela primeira vez em 1913 pela Ford, acabou sendo replicada pelos fabricantes de outros bens de consumo, tornando-os acessíveis para os consumidores de menor renda e também promovendo, por sua vez, maior demanda de bens e, fechando o ciclo, gerando mais necessidade de transporte. Em resumo, sua cadeia produtiva promoveu aumento no número de empregos e, como consequência, melhorou a vida de centenas de milhões de pessoas, proporcionando enorme progresso para todos. Pode-se dizer então, sem sombra de dúvidas, que o automóvel verdadeiramente mudou o mundo.

Congestionamentos: Problema antigo

Porém, como qualquer outra invenção de tamanho impacto social, ele também gerou seus problemas, principalmente os de ordem ambiental e de comportamento. A própria convivência entre pessoas e automóveis sempre foi problemática, tanto para os pedestres como para os próprios motoristas, que muitas vezes acabam presos na armadilha dos grandes congestionamentos. Por isso, o automóvel cada vez mais tem sido encarado como um verdadeiro inimigo a ser enfrentado. É como se o seu uso tivesse “saído de controle”, bem ao estilo de uma personagem de um romance de ficção científica do tipo “Eu, Robô”, de Isaac Asimov, onde as criaturas acabam se voltando contra os seus criadores. Guardadas as devidas proporções com a ficção, tomemos como exemplo a cidade de São Paulo, onde cerca de trinta por cento da área urbana já é ocupada pela infra-estrutura gerada para comportar os automóveis. Enquanto isso, o sistema de Metrô da capital paulista teve sua expansão executada numa velocidade sistematicamente lenta por décadas, governo após governo, agravando assim o caos da mobilidade urbana na cidade.

Por esse motivo devemos por em discussão se o automóvel é mesmo uma espécie de vilão, ou se a intensificação de seu uso não seria - além de reflexo de uma ordem econômica baseada no consumo a qualquer custo - também decorrência da falta de investimento público em transporte coletivo de qualidade, que por sua vez acaba sendo preterido por quem normalmente dispõe de um carro próprio para se locomover de casa para o trabalho. A violência urbana crescente a qual estamos expostos é outro fator a ser considerado. Quem dentre nós, por exemplo, se arriscaria a embarcar em um ônibus ou trem, diariamente, com um notebook a tira-colo? Ainda que no seu carro você esteja exposto a uma violência igual ou até pior, ele parece ainda nos dar uma chance maior de segurança nesse caso, mesmo que isso não passe apenas de uma sensação. O que verificamos então, é que, como todo e qualquer problema, aqueles gerados pelo uso intensivo do automóvel devem ser abordados de forma sistêmica. Ou seja, todo um contexto no qual o automóvel está inserido deve ser considerado e tratado com a mesma atenção.

Pode-se afirmar que, ao contrário do que muitos imaginam, os dias do automóvel não estão contados, mas sim a forma como o pensamos e o utilizamos. Sem dúvida alguma, os fatos ambientais verdadeiramente preocupantes com os quais temos nos deparado nos últimos anos, nos impõem uma visão de mundo mais madura e responsável, o que nos impele a repensar toda a mobilidade, privilegiando o transporte de massas, através do aumento de sua eficiência, com melhores padrões de segurança e conforto, buscando assim a redução da dependência do transporte individual para a maioria dos itinerários.

A seu turno o automóvel também deverá se transformar praticamente em um novo produto, igualmente mais eficiente, tanto do ponto de vista energético e ambiental, como no que concerne às suas características de uso, que podem transformá-lo por exemplo, em uma verdadeira plataforma de comunicação e entretenimento, indo muito além de uma simples máquina de ir-e-vir. Diga-se de passagem, dificilmente as pessoas encaram o automóvel apenas como uma máquina. Mesmo porque, nós costumamos imprimir no que fazemos toda uma carga emocional. Desejamos e necessitamos de algo além do que simplesmente funcional. Nossa relação com o automóvel dificilmente perderá essa faceta emocional, pelo próprio significado de liberdade de ação e poder de decisão que o conceito de um veículo de transporte individual carrega em sua origem.

1899-Estação de recarga de fiacres elétricos
Venturi Eclectic-Elétrico do Sec. XXI com semântica de uma carruagem do Séc. XIX

Quando a maioria de nós estiver dirigindo carros elétricos, sejam eles de propriedade privada ou de uso coletivo - esta última modalidade inspirada em sistemas como o atual Velib ( www.velib.paris.fr ), onde deixa de ser necessário você comprar um automóvel, alugando-o apenas pelo período em que estiver sendo utilizado e poupando assim espaço urbano, já que um mesmo veículo poderá servir a diversos usuários - estes por sua vez continuarão sem dúvida alguma a transmitir, para uma significativa parcela de usuários, algo além da idéia de um simples meio de locomoção.

Velib-Sistema francês de uso comunitário de bicicletas inspira soluções similares com a utilização de automóveis

O que é certo, portanto, é que o automóvel está mudando, como de fato vem passando por mudanças desde que foi criado. E paralelamente a essa evolução do automóvel, nós também estamos evoluindo como indivíduos e como sociedade. E hoje, mais do que nunca, dessa transformação depende nossa continuação como espécie, que por ser a dominante no planeta, tem total responsabilidade sobre seu próprio destino. E parte importante dessa responsabilidade cabe a aqueles envolvidos em projetar os novos produtos, dentre os quais encontram-se os engenheiros e designers; Estes últimos, pelo fato de terem uma formação acadêmica não apenas técnica, mas também humanista, sabem que antes de se criar uma nova proposta é fundamental a aquisição de repertório a respeito de produtos similares, das necessidades de seus usuários, das limitações no processo de produção, bem como das influências do contexto econômico, social, político e comportamental sobre a viabilidade e real valor de suas criações.

Conhecer então a história do produto automóvel é constatar a relação de mútua influência entre ele, os outros produtos e a sociedade com um todo. E o quanto essa relação deve ser compreendida, para aquisição de repertório para quem projeta e, porque não, para quem o utiliza. Enfim, a história nos convida a aprendermos com suas lições, uma ferramenta essencial para aqueles que influenciam no presente a construção de um futuro melhor. Então, vamos a ela.

2 comentários:

  1. Carlos,

    Muito interessante a sua abordagem acerca do futuro do automóvel nesse nosso mundo globalizado !
    Acho que o fator mais forte para que essa mudança venha a cabo é mesmo o emocional e possessivo, pois o ser humano tende a ser "dono" de tudo aquilo que ele possa dominar, e isso é algo a ser trabalhado...
    Muito bom o seu blog, já adicionei nos meus favoritos e quero acompanhar de perto o teu trabalho.
    Keep up with this great job !!!

    Mário Buzian - Ivoti/RS

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  2. Prezado Mário,

    Agradeço a você pelo apoio à iniciativa do Autotimeline e aos assuntos nele abordados. Se você gosta de temas relacionados à evolução do automóvel e a relação da mesma com o comportamento humano, então aguarde para os próximos dias uma nova postagem, na verdade a terceira parte da série sobre os anos 30, que está sendo preparada com a devida atenção e o respeito que o assunto merece. Você deve ter reparado que, por isso mesmo, os artigos postados no Autotimeline são um tanto extensos e com uma a frequência de postagem menor que a da maioria dos outros blogs. Mas a idéia é de uma abordagem mais extensa e profunda dos assuntos, que, assim espero, possa fazer valer à pena a espera.

    Obrigado mais uma vez por prestigiar o Autotimeline e um grande abraço,

    Carlos A. Castilho

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